O
olhar de Pedro Paulo Soares Pereira está fixado no horizonte do Capão Redondo,
periferia sul de São Paulo. Apesar de ser primavera, o céu cinza-chumbo dá o
tom àquela tarde fria de outubro. Sentado em uma cadeira plástica, com um
caderno surrado apoiado na perna e contra o qual desliza o lápis mal apontado,
ele está na varanda da Casa Azul, o porto seguro dele na Favela da Godoy. Ali,
uma rede de proteção – invisível para quem não é da área –, formada por
moradores e amigos, faz a triagem de quem, quando e como pode ter acesso a
Pedro Paulo, chamado pela maioria de Brown e, pelas crianças, de “tio Brau”.
Mano Brown e o grupo de rap do qual ele faz parte, o Racionais MC’s, estão na
capa edição de aniversário da Rolling Stone Brasil, que chega às bancas na próxima
quinta, 14. Avessos a entrevistas, os quatro integrantes – ao lado de Brown,
Ice Blue, KL Jay e Edi Rock – falaram com exclusividade ao repórter especial
André Caramante, relembrando o duro início de carreira e falando sobre diversas
polêmicas (ou críticas) que envolvem o nome do grupo.
Uma delas foi um show
duas semanas depois do encontro acima, em uma casa noturna “de playboys”, a
Royal – com Kleber Geraldo Lelis Simões, 44, Paulo Eduardo Salvador, 43, e
Adivaldo Pereira Alves, 43, respectivamente DJ KL Jay, Ice Blue e Edi Rock –,
cantando músicas que protestam contra tudo o que se via ali. Eles, “os quatro
pretos mais perigosos do Brasil”, como sempre se autodenominam.
A
justificativa veio no curto discurso antes de “1 por Amor 2 por Dinheiro”.
“Vamos aos fatos. O que leva um homem a estar na rua domingo à noite? Você
devia estar descansando, cara. Só há um motivo que me traz para a rua e um
deles é esse aqui, ó”, declarou Brown, antes de KL Jay soltar o ruído de uma
caixa registradora. Quando questionado mais tarde sobre o show, Brown foi
sucinto: “Ele [Marcus Buaiz, dono da boate] não
pagou pau pra mim e eu não paguei pau pra ele. Estávamos ali para fazer
negócio”.
O
fato é que o camisa 10 do Racionais MC’s defende hoje o trabalho do quarteto
como um “produto” – para quase qualquer plateia, em quase qualquer lugar. E
eles lidam com os riscos disso. “Tem de ter cuidado para não chapar. A Billie
Holiday chapou. Fazia show com os brancos a venerando e sabia dos pretos
enforcados por aquela plateia que a aplaudia”, divaga KL Jay, para quem o
discurso ideológico continua ali, apesar da eficácia duvidosa junto àquele
público. “Acho que os convencemos de que estamos certos, mas eles não assumem
que estão errados [risos].”
O
“show Robin Hood” (“quem tem mais paga um pouco mais para nos ver cantar; que
tem menos paga menos ou nada”, diz Brown) passou longe de ter sido um momento
tenso na carreira do grupo. Em 25 anos, eles pegaram em armas por ideologia,
disseram não a uma indústria pré-estabelecida e deram um nó no modelo de
sucesso. Há duas décadas, já haviam despertado discussões por terem angariado
fãs bem-nascidos com Raio X Brasil (1993),
que trazia “Fim de Semana no Parque” e “Homem na Estrada”. Parecem, portanto,
suportar tranquilamente uma nova geração de admiradores abastados, um Lobão vociferante
ou críticas por Edi Rock ter ido à Globo divulgar o trabalho solo dele.
“O rap fez mudar muita
coisa – ensinou o cara a não ter vergonha de onde mora, do cabelo, da cor, a
poder falar da sua quebrada”, avalia, a certa altura, Blue. “Hoje, você vê qualquer
moleque falando que mora na favela de peito aberto, mesmo que não more.” E
também disse ao negro que é preciso estudar e se cuidar, completa KL Jay.
“Racionais é utilidade pública”, diz o DJ, o mais passional e radical da
família.
Durante a entrevista,
Brown também revela ter cometido pequenos furtos na juventude. “Não tem por que
mentir agora. Era uma época em que você roubava ou passava fome. Não era para
ostentar. Todos os meus amigos, da mesma geração, começaram a roubar ao mesmo
tempo.”
“Posso dizer que o rap
me salvou. E o casamento foi minha segunda salvação. Me casei com 18 anos, em
um momento em que eu estava com um pé no crime e outro fora. Minha mulher me
deu um rumo”, Brown diz sobre Eliane Dias, hoje na linha de frente dos negócios
do grupo, com a produtora Boogie Naipe.
Outro assunto que não
ficou de fora foi o aguardado novo disco do grupo. Quando dizemos que os fãs
estão ansiosos e parecem não se contentar mais com as músicas “soltas” lançadas
nos últimos anos (“Cores e Valores”, “Mente do Vilão”, “Mulher Elétrica”,
“Dance, Dance”, “Mil Faces de um Homem Leal (Marighella)”, “Gangsta Boogie” e
“Homem Invisível”), Brown afirma que ainda não há data para um álbum completo,
mas que preparam um EP para ser lançado “em breve”.
“Pode ter até seis faixas
inéditas e será para comemorar os 25 anos. Será para download. É para criar um
fluxo no nosso canal e um grande tumulto na internet”, diz Blue, o mais
negociador do grupo e aquele que diz “não” para quem propõe negócios vistos
como pouco rentáveis aos quatro. “Ficamos 20 anos resistindo a não ser uma
banda grande, correndo. Éramos a banda do ‘não tem’: não tem site, assessoria,
porra nenhuma. Agora tem. Saímos dos problemas. Nós somos chatos pra caralho.”
Reprodução: Texto e Fotos
Fonte: Rolling Stone Brasil
Fonte: Rolling Stone Brasil
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.